As famílias estão hoje a enfrentar uma enorme perda do poder de compra. E neste contexto, a probabilidade de assistirmos a um travão abrupto no consumo interno e à paralisação da economia é uma ameaça real.
No Brasil, o parcelamento de pagamentos é uma das imagens de marca daquela que é a maior economia da América Latina. A possibilidade de dividir o pagamento de uma compra – seja um simples par de sapatos, uma peça de roupa ou um bilhete de avião – em diversas mensalidades ou “parcelas”, foi implementada há décadas para dinamizar o setor do retalho e facilitar a aquisição de bens por parte da população, especialmente numa época de incerteza e inflação elevada.
Embora seja um conceito intrínseco da cultura financeira do Brasil, o “parcelado” está hoje a ser “exportado” e a tornar-se numa trend mundial. O fenómeno explica-se por dois fatores: por um lado, pelas crescentes pressões inflacionistas que as principais economias mundiais enfrentam, por outro, pela expansão e rápido desenvolvimento de soluções Buy Now, Pay Later (BNPL).
Mas vamos por partes. A taxa de inflação homóloga em Portugal atingiu em junho os 8,7% – o valor mais alto desde dezembro de 1992. Isto é o que dizem os números. Porque no dia a dia, a perceção que temos é que a subida dos preços de bens e serviços está a decorrer a um ritmo mais elevado face àquilo que os números oficiais demonstram. Não adianta negar: as famílias estão hoje a enfrentar uma enorme perda do poder de compra. E neste contexto, a probabilidade de assistirmos a um travão abrupto no consumo interno e à paralisação da economia é uma ameaça real.
Para contornar este cenário existem dois caminhos possíveis: ou a atribuição de aumentos salariais que acompanhem (pelo menos em parte) a subida dos preços, ou por via de uma descida de impostos por parte do Estado. Mas, realisticamente falando, nenhuma destas medidas parece estar em cima da mesa.
Sendo assim, como poderão as famílias e as empresas minimizar o impacto das pressões inflacionistas no seu dia a dia? A resposta surge sob forma de um verbo, com sotaque brasileiro: parcelar.
Num cenário de erosão de rendimentos causada pela inflação, uma família pode não ter dinheiro suficiente para realizar, a pronto pagamento, uma compra de 200 euros, mas consegue adquirir esse bem dividindo ou “parcelando” o pagamento em três vezes. É neste contexto que as soluções financeiras de Buy Now, Pay Later (BNPL) poderão funcionar como uma “bóia de salvação” para as famílias, mas também para as empresas.
Trata-se de um meio de pagamento, que é também uma solução de crédito ao consumo, especialmente desenhada para o comércio eletrónico. Através desta solução, o consumidor pode parcelar ou dividir o pagamento das suas compras do dia a dia em diversas mensalidades, sendo que o processo de aprovação de crédito é muito rápido, com menos burocracias e com taxas de juro mais baixas quando comparadas com as dos cartões de crédito. Em muitos casos, quando o pagamento é feito em três meses, não há lugar à cobrança de juros.
Apesar de ser uma solução ainda relativamente recente em Portugal, o BNPL tem assumido uma importância crescente no setor global dos meios de pagamento. Só no ano passado, e de acordo com alguns estudos, o valor de mercado do BNPL terá atingido os 125 mil milhões de dólares, tendo a América do Norte contabilizado mais de 30% das transações totais. As estimativas apontam para que o valor global do BNPL possa atingir os 3,2 biliões de dólares em 2030.
Na Europa o crescimento desta ferramenta financeira também tem sido evidente e prevê-se que a penetração dos serviços de BPNL neste continente decorra a uma taxa de crescimento anual mais elevada, face ao crescimento global estimado até 2024. A facilidade, a comodidade e a flexibilidade que este meio de pagamento proporciona são alguns dos aspetos mais valorizados pelos consumidores.
De acordo com o Global Payments Report, de 2021, prevê-se que em 2024 o BNPL represente 13,6% do total das transações do comércio eletrónico na Europa. O valor compara com os 7,4% registados em 2020. Mas em alguns países europeus – como é o caso da Suécia, Noruega e Alemanha – a quota de mercado do BNBL nos meios de pagamento utilizados no comércio eletrónico é já mais elevada (oscilando entre os 15% e os 23%, segundo dados de 2020).
E se nos últimos anos o crescimento deste tipo de soluções foi apoiado pela pandemia e pela explosão do comércio eletrónico, agora é a inflação que pode funcionar como um motor de expansão do Buy Now Pay Later. Todos ficam a ganhar.
As famílias encontram nesta solução um “balão de oxigénio” para gerirem os seus orçamentos num contexto de perda de poder de compra – não só pela subida dos preços de bens e serviços, mas devido ao aumento dos encargos com os créditos, por via da subida das taxas de juro.
As empresas – sejam elas de grande ou menor dimensão – conseguem manter o seu índice de vendas estável e permanecem competitivas, num mercado que é cada vez mais concorrencial. E sem o travão a fundo no consumo interno, a Economia também agradece.